terça-feira, 17 de maio de 2011

A pipoca - Rubem Alves

Arrumando minhas coisas achei no meio da bagunça um livro meu de Rubem Alves e a página marcada tinha um texto dele que gosto muito, muito mesmo, então resolvi compartilhar aqui, onde muitos podem ter acesso, já que atualmente a leitura de livros de papel tá virando coisa rara. Vale  a pena conferir, até pra quem não tem hábito de leitura!



A pipoca
Rubem Alves

A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas.

Por isso tenho mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da cozinha: cebolas, ora-pro-nobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz, bacalhoada, suflês, sopas, churrascos.

Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento.

As comidas, para mim, são entidades oníricas.

Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu.

A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível.

A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem.

Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.

Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé...

A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.

Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.

Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado.

Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!

E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.

Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre.

Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser.

Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação.

Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.

Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.

"Morre e transforma-te!" — dizia Goethe.

Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar.

Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem.

Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.

Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.

Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á". A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira...

"Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sobre os fins

Estou sem postar a semanas! Um conjunto de fatores... tempo, inspiração, vontade, enfim. Mas estou de volta!


Passei a semana "matutano" sobre o que eu gostaria de escrever, na verdade, pensando sobre o que eu tenho a necessidade de expressar, pois em cada post percebo que preciso escrever, que isso realmente faz parte de algo que me traz prazer.

Sem perceber comecei a olhar ao redor e perceber algumas coisas sobre os fins, sabe aquele (...) e viveram felizes para sempre... Isso, é isso mesmo! Ou melhor, tem a ver com isso também!


Essa idéia de fim é algo que está incutido no ser humano, desde que nascemos, mesmo que na verdade ninguém está preparado para isso e nem fomos feitos para isso!

A grande maioria das religiões acredita que haja vida após a morte, que existe um lugar para o qual, em uma existência superior, existimos novamente. Eu também acredito nisso. Acredito na Morada Celeste, no céu.


Mas entre o intervalo nascer-morrer existe o que chamamos de VIDA. E a grande pergunta que deve ecoar em nossas mentes não é: Quando vou morrer? Mas sim: O que fazer nesse intervalo?

Desde crianças aprendemos por meio dos desenhos, novelas e filmes que todo drama acaba com um letreiro ao fim "Happy Ending" mas o que nunca nos questionamos é como são feitos os finais felizes. 



Acho que a primeira consideração a ser feita é o que esperamos de um final feliz?? Tem gente que espera uma vida perfeita, mas na verdade que conceito é esse de perfeição? Um conceito 'enlatado' vindo de uma mídia e de idéias consumistas estereotipadas, que esperam que você seja feliz a qualquer custo,  mesmo que isso lhe custe a vida. Prazer a qualquer preço.


Será que as expectativas que temos criado para nossas vidas tem sido realistas e principalmente pautadas em valores que nos apreciem ao invés de depreciar a alegria e a dádiva de existir?


Muitas vezes já me vi buscando um final feliz pras diversas situações da minha vida e garanto a vocês que naquele momento pareceu que tudo aconteceu ao contrário do que eu queria e continuo aqui, talvez se o final que eu quisesse tivesse acontecido a minha vida seria diferente e eu estaria diferente. Talvez mais feliz, talvez menos.


Mas o que me chama atenção é que sempre estamos buscando algo, ou seja, o final feliz não é algo absoluto. 


E porque?? Porque na vida real não acontece como nos contos de fada?? 


É simples... os contos de fada acabam quando a princesa se casa e a nossa vida continua e o principal fator: NÓS MUDAMOS! Cada dia é um dia diferente pra nós, o dia muda e nós mudamos. Nunca esqueço daquela frase de 'Vicky Cristina Barcelona': Não sei o que quero, mas sei exatamente o que não quero' e isso pode mudar.


Nós nunca vamos saber se a Cinderela, Branca de Neve e suas amigas realmente foram felizes pra sempre, se tiveram problemas no casamento, se os filhos deram trabalho na escola, se elas resolveram trabalhar fora e o príncipe não aceitou e virou fera... será, será?? 



O poeta diz que a felicidade não está no caminho e sim no caminhar, na maneira como se anda e não nos fins. Eu acho que quando paramos e acreditamos que chegou o fim a vida perde o sentido, a razão, a força divina que nos impulsiona a continuar, a acreditar que tudo é possível!


A nossa mente é tão pequena diante da grandiosidade de tudo que vemos e principalmente do que não vemos e nós temos a tendência a se fechar na nossa caixinha e perseguir a vida inteira coisas e objetivos, que talvez quando chegarmos ao verdadeiro fim não farão nenhum sentido e teremos a sensação de que não valeu a pena e que nunca tivemos nosso final feliz.


Vamos aproveitar o caminho, as flores e os espinhos que fazem parte dele e o fim com certeza virá e será melhor do que nós, pobres e rélis mortais, idealizamos.


Rubem Alves diz que as religiões são formas de ajuntar os cacos. Então se você está aqui, aproveite esse tempo e faça um mosaico.